
Introdução
Nos últimos anos, uma tendência marcante tem se desenvolvido na relação entre consumidores e empresas: o ativismo do consumidor. Cada vez mais, os consumidores modernos estão se tornando sensíveis às questões sociais e exigem que as empresas ajam de acordo com seus valores.
Essa tendência vale tanto para dar preferência a empresas que se engajam em causas sociais ou ambientais, como também para boicotar e causar crise naquelas que tiverem algum escândalo ou desvio de má conduta. A verdade é que as empresas precisam prever essa nova realidade em seu Gerenciamento de Risco, para evitar que a reputação seja abalada e prejuízos financeiros ocorram em virtude de protestos.
Neste artigo, vamos explorar como o ativismo do consumidor afeta as empresas, apresentar casos reais de boicotes e discutir como as empresas podem se adaptar a essa nova realidade.
I. O Ativismo do Consumidor e a Sensibilidade aos Temas Sociais
O ativismo do consumidor refere-se à prática de usar o poder de compra como uma forma de promover mudanças sociais. Os consumidores modernos estão cada vez mais engajados em causas sociais, como sustentabilidade ambiental, justiça social e direitos humanos. Eles acreditam que as empresas têm a responsabilidade de serem cidadãs corporativas responsáveis e estão dispostos a recompensar ou punir com base nesses princípios.
Segundo o estudo “Varejo com Causa: como redes varejistas impulsionam doações no Brasil”, 73% dos consumidores querem que as marcas ajam em prol do bem da sociedade e do planeta.
II. Casos de Boicotes que Impactaram Empresas
Várias empresas já foram alvo de boicotes de consumidores devido a suas práticas controversas ou valores contrários aos princípios dos ativistas. Um exemplo recente é o boicote às vinícolas envolvidas no caso de trabalhadores mantidos em condições análogas à escravidão, em Bento Gonçalves, RS.
Os consumidores, indignados com a situação, começaram a pregar o boicote dos produtos das empresas envolvidas e compartilharam suas preocupações nas redes sociais, resultando em uma perda significativa de receita e danos à reputação da marca.

O Supermercado Zona Sul, do Rio de Janeiro, dono de mais 40 supermercados na cidade, devolveu todos os produtos da vinícola Aurora que possuía em estoque e anunciou que não venderia mais vinhos das marcas envolvidas. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) aderiu ao boicote e suspendeu a participação das vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton de suas atividades. A suspensão vale para feiras internacionais, missões comerciais e eventos promocionais.
Até mesmo a Conferência Nacional dos Bispos dos Brasil (CNBB) emitiu um comunicado no qual pede que os vinhos utilizados em cerimônias religiosas tenham sua proveniência checada. O texto, assinado por Dom Joel Portella Amado, bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, afirma que é da Igreja a responsabilidade de zelar pelo vinho canônico e impedir “qualquer tipo de trabalho em condições que ferem o respeito pela dignidade humana”.
Confira outros casos de boicotes de empresas por consumidores:
Nestlé - Práticas de comercialização de fórmulas infantis:
Motivo: A Nestlé foi alvo de boicote devido às suas práticas de comercialização agressivas de fórmulas infantis em países em desenvolvimento, que violavam o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno. A Baby Milk Action (BMA) tem feito campanha por um boicote da Nestlé há décadas. De acordo com a Ong, a Nestlé contribui para a "morte e o sofrimento desnecessário dos bebês", visando mulheres grávidas, novas mães e profissionais da saúde para vender seus produtos, desencorajando a amamentação.
Consequência: O boicote resultou em uma significativa perda de reputação para a empresa e em uma redução das vendas.
Resposta da empresa: Em uma primeira resposta, a Nestlé rebateu, dizendo que a má qualidade da água e mães desnutridas eram os culpados pelas mortes infantis e não os produtos da empresa. Em um segundo momento, modificou suas práticas de comercialização e se comprometeu a aderir ao Código Internacional, estabelecendo políticas mais rigorosas e programas de treinamento para seus funcionários.

Uber - Lucro com protestos
Motivo: Em 2017, o presidente Donald Trump anunciou que cidadãos de sete países, sendo seis de raízes muçulmanas, estavam proibidos de entrar nos Estados Unidos. Na ocasião, taxistas e motoristas particulares entraram em greve, deixando também de atender aeroportos como o John F. Kennedy Internacional, em Nova York. A Uber, entretanto, tomou atitude contrária e permaneceu funcionando no local, além de ter desativado as tarifas dinâmicas, no que afirmou ser uma atitude para garantir a mobilidade dos viajantes e usuários.
Consequência: A empresa acabou sendo acusada de tentar lucrar em cima da greve dos motoristas. A hashtag #DeleteUber, então, começou a crescer no Twitter e incentivava os usuários a não apenas apagarem o app de seus celulares, mas também deixarem de utilizá-lo e encerrarem suas contas. Segundo o The New York Times, cerca de 200 mil pessoas cancelaram suas contas.
Resposta da empresa: A empresa se desculpou publicamente e negou ter feito esforços para prejudicar a greve. Também anunciou um fundo de US$ 3 milhões para ajudar os motoristas afetados pela proibição da imigração.

Nike - Exploração de mão de obra
Motivo: A Nike foi alvo de boicote devido às alegações de que, ao lado da Apple, explorava mão de obra em suas fábricas, especialmente em países asiáticos.
Consequência: O boicote levou a um impacto negativo nas vendas da empresa e à danificação de sua imagem de marca.
Resposta da empresa: A Nike implementou um programa de monitoramento rigoroso em suas fábricas, aumentou os salários e melhorou as condições de trabalho. A empresa também se comprometeu a trabalhar com organizações e fornecedores para garantir melhores práticas trabalhistas.
Volkswagen - Escândalo de emissões de poluentes
Motivo: A Volkswagen enfrentou um boicote após a revelação de que seus veículos diesel estavam equipados com dispositivos de manipulação de emissões, enganando os testes de poluentes.
Consequência: O boicote resultou em uma queda nas vendas da Volkswagen e uma mancha enorme na reputação da empresa, que reportou um prejuízo de mais de US$ 30 bilhões com o caso.
Resposta da empresa: A Volkswagen pediu desculpas publicamente, demitiu executivos envolvidos no escândalo e investiu em tecnologias de veículos elétricos. A empresa também implementou medidas mais rígidas de controle e transparência para recuperar a confiança dos consumidores.
Facebook - Violação de privacidade e desinformação
Motivo: O Facebook enfrentou um boicote de anunciantes devido à sua gestão inadequada de dados de usuários, bem como à disseminação de desinformação e notícias falsas na plataforma. Participaram da campanha cerca de 400 empresas, entre elas, gigantes como a Coca-Cola, a Unilever, a Honda, a Ford e a Adidas.
Consequência: Apenas o anúncio do boicote fez as ações do Facebook na Bolsa despencarem 8,3% . A empresa perdeu US$ 56 bilhões em valor de mercado. A agência Bloomberg estima que essa desvalorização fez Zuckerberg perder US$ 7,2 bilhões de sua fortuna.
Resposta da empresa: O Facebook intensificou seus esforços para combater a desinformação, implementou medidas mais rígidas de privacidade e transparência, além de estabelecer parcerias com verificadores de fatos independentes.
III. Adaptação das Empresas ao Ativismo do Consumidor
As empresas precisam estar atentas às preocupações e demandas dos consumidores modernos. Ignorar essas questões pode levar a consequências prejudiciais. Para se adaptar ao ativismo do consumidor, as empresas devem:
Praticar transparência: As empresas devem comunicar claramente suas práticas e valores, evitando ações que possam ser consideradas contraditórias;
Engajar-se nas causas relevantes: É fundamental que as empresas demonstrem apoio genuíno a questões sociais relevantes para seus consumidores, seja por meio de doações, parcerias ou ações concretas;
Monitorar as redes sociais e feedback dos consumidores: As empresas devem estar presentes nas redes sociais e atentas aos feedbacks dos consumidores, respondendo prontamente a críticas e preocupações.
IV. O Prejuízo do Boicote para as Empresas
Pesquisas revelam que um boicote pode causar danos substanciais às empresas. Além da perda de receita imediata, a reputação corporativa pode ser severamente prejudicada, afetando a lealdade dos consumidores e a confiança do público. Estudos mostram que os consumidores modernos estão dispostos a pagar mais por produtos de empresas socialmente responsáveis, enquanto evitam empresas envolvidas em escândalos ou práticas controversas.
Em épocas de redes sociais, os boicotes são pregados com facilidade e o noticiário negativo ajuda a evidenciar o nome da empresa. É o caso da Starbucks. Em 2018, a empresa sofreu um boicote dos consumidores após a prisão de dois homens negros em um de seus cafés na Filadélfia. O fato despertou acusações de discriminação racial contra a empresa.
A prisão dos dois rapazes, que esperavam um amigo, foi filmada e gerou condenação generalizada à empresa nas redes sociais, protestos em frente à unidade e convocação de boicote à rede. Um estudo mostrou que foram mais de 100 mil menções da hashtag #BoycottStarbucks em redes sociais em apenas três dias.
V. Dicas para Evitar Boicotes e Proteger a Reputação
Para evitar ser pego de surpresa por um boicote e proteger a reputação corporativa, é essencial adotar as seguintes medidas:
Conhecer o público-alvo: Compreender os valores e as preocupações do público-alvo é fundamental para alinhar as práticas empresariais;
Ser proativo: Antecipar possíveis problemas e agir de forma proativa para resolver questões antes que se tornem um motivo de boicote;
Investir em sustentabilidade e responsabilidade social: Adotar práticas empresariais sustentáveis e apoiar causas sociais relevantes ajudam a construir uma imagem positiva junto aos consumidores;
Ter uma equipe treinada em Gerenciamento de Crises, para saber lidar com questões delicadas e não transformar a insatisfação dos consumidores em uma crise ainda maior.
Conclusão
O ativismo do consumidor é uma realidade crescente que as empresas devem levar a sério. A reputação é um dos ativos mais valiosos de uma empresa e pode ser afetada negativamente por um boicote. Ao se adaptar a essa nova dinâmica, as empresas podem fortalecer seu relacionamento com os consumidores, conquistar a lealdade e obter vantagens competitivas no mercado atual. A atenção aos temas sociais e a adoção de práticas empresariais responsáveis são essenciais para enfrentar os desafios e colher os benefícios do ativismo do consumidor.
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