A terceirização dos trabalhos tem sido cada vez mais utilizada por empresas em todo o Brasil, com o objetivo de reduzir custos e melhorar a eficiência. No entanto, essa prática também pode trazer riscos significativos para as organizações, principalmente quando não há um controle adequado sobre os contratados e os trabalhadores terceirizados não são treinados adequadamente, principalmente para trabalhar dentro dos valores da contratante.
Na prática, significa que se um trabalhador terceirizado fizer uma besteira, muito provavelmente, o nome que vai para a lama é a de quem contrata. Até porque, geralmente, os contratantes são maiores do que os contratados. Temos, em empresas que prestam serviços, uma fonte de dores de cabeça e um motivo de preocupação e vigilância para quem contrata e a falta de controle sobre os contratados pode ser um grande problema para as empresas que terceirizam trabalhos.
VINÍCOLAS GAÚCHAS E O TRABALHO ESCRAVO
Um caso que ilustra bem esses riscos é o da Salton, uma das maiores produtoras de vinho do Brasil. Em 2023, a empresa foi acusada de utilizar mão de obra escrava em uma das suas fazendas de uva. Aí eu te garanto que você ouviu essa história e ouviu o nome não só da Salton, mas da Aurora e da Garibaldi, outras vinícolas envolvidas. Mas eu te pergunto: qual o nome da empresa terceirizada, contratada pelas três vinícolas e responsável pelos trabalhadores? Aposto que a maioria não conhece a Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde. Ela era a terceirizada, responsável por buscar funcionários na Bahia para fazer a colheita da uva. Cerca de 200 trabalhadores contratados pela Fenix foram resgatados de um alojamento na cidade. Os terceirizados eram mantidos em situações degradantes, jornadas de trabalho exaustivas e sob ameaça e violência, segundo depoimentos prestados por eles ao Ministério do Trabalho e Emprego. Na ação de resgate, o empresário Pedro Augusto Oliveira de Santana, que responde pela Fênix, chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança.
A situação colocou a Salton dentro de uma gravíssima crise, que foi notícia nos principais meios de comunicação, inclusive com movimentos de boicote por parte dos consumidores. A vinícola foi acusada de ser complacente com a situação e cometeu erros na condução da crise:
1 - “Não é problema meu!”
Após a denúncia, a Salton se defendeu afirmando que não tinha conhecimento das condições de trabalho na fazenda. Ou seja, rolou o famoso “isso não é problema meu”. Só que é! O fato é que, por lei, a responsabilidade pelas condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores são tanto da terceirizada quanto da contratante.
E não é apenas uma questão legal. É uma questão moral. A Salton não pode virar e falar que não tinha conhecimento. Que tipo de gestão é essa que não tem conhecimento sobre o modo como os trabalhadores, que estavam dentro de suas fazendas, eram tratados? O contrato estava ok, mas essa crise passa longe de uma questão de direito e passa por um lado ético. A empresa não pode demonstrar desconhecimento de algo tão grave. Ou é incompetência ou é anuência. E a tese do “não é problema meu” soa cada vez mais absurda e jamais pode estar em um posicionamento de quem enfrenta uma crise. É como empurrar os trabalhadores escravizados para longe e dizer “façam o que quiserem, não tenho nada a ver com eles”.
2 - Nenhuma ação efetiva de reparação imediata
Um dos fatores mais importantes ao se envolver em uma crise é cuidar das vítimas. E nenhuma das vinícolas fez ações neste sentido, o que era exigido em função da gravidade da situação. Para se ter uma ideia, os trabalhadores resgatados foram levados para um ginásio, aos cuidados da secretaria municipal de assistência social. As primeiras notas foram protocolares, com pedidos de desculpas frios e promessas vazias. Aquele seria o momento de anunciar ajuda financeira aos envolvidos, suporte médico e psicológico, novos alojamentos e até oferecer a viagem de volta para quem preferisse retornar para casa. Mas nada disso, apenas notas frias e ações desastrosas, como a péssima nota da associação comercial de Bento Gonçalves, que botou a culpa na ‘falta de mão de obra’ e trabalhadores que sobrevivem do 'sistema assistencialista’. O gerente de Marketing da empresa conseguiu proeza de fazer uma postagem em seu Linkedin chamando as críticas e boicotes de “lacração”. Depois, apagou, mas o estrago já estava feito. E o nome da Salton cada vez mais indo pro buraco.
3 - A crise não foi conduzida por humanos
Qual executivo da Salton deu a cara a tapa e apareceu na imprensa, imediatamente, dando explicações? Em época de redes sociais, onde um rosto tem mais importância do que um logotipo, as vinícolas erraram ao não publicar sequer um vídeo com os donos pedindo desculpas, demonstrando empatia com os trabalhadores e anunciando mudanças efetivas para que os erros não se repetissem. O que vimos foi um festival de notas frias, que mais pareciam ter sido geradas pelo ChatGPT. Faltou humanizar a crise e isso, nos dias de hoje, é um erro crasso. As pessoas que relacionam com a marca e com seus valores, portanto elas querem ver um rosto comunicando suas intenções.
Após o incidente, a Salton tomou medidas para melhorar o controle sobre as suas terceirizadas, incluindo auditorias regulares e treinamento para os trabalhadores. Também pagou, ao lado da Aurora e da Garibaldi, uma multa no valor de 7 milhões de reais.
CARREFOUR E A MORTE CAUSADA POR TERCEIRIZADO
Outro caso que ilustra os riscos da terceirização é o Carrefour, uma das maiores redes de supermercados do mundo. Em novembro de 2020, um homem negro chamado João Alberto foi morto por seguranças terceirizados em uma loja da rede em Porto Alegre. O incidente gerou uma onda de protestos em todo o Brasil, levando o Carrefour a tomar medidas para melhorar a gestão dos riscos associados à terceirização.
O Carrefour anunciou a criação de um comitê independente para avaliar a sua gestão de riscos e as práticas de segurança em todas as suas lojas no Brasil. A empresa também comprometeu-se a implementar um programa de treinamento para os seus funcionários e terceirizados, com foco em questões como diversidade e inclusão. Além disso, o Carrefour estabeleceu uma parceria com organizações de defesa dos direitos humanos para ajudar na implementação das suas medidas.
Embora também tenha soltado uma primeira nota botando a culpa no terceirizado, ao melhor estilo “o problema não é meu”, o Carrefour aprendeu a lição e demonstrou, através de um grande pacote de mudanças, ter aprendido com os erros. Inclusive, anunciou o fim da contratação de terceirizadas para cuidar da segurança das lojas.
QUAIS OS CUIDADOS AO TERCEIRIZAR?
Diante de casos ruidosos como esses, as empresas devem ter medo de terceirizar algumas atividades? Não! Sabemos que a terceirização de alguns trabalhos pode trazer muitos benefícios para as empresas, mas é fato que também pode trazer riscos significativos se não for gerenciada adequadamente. É essencial que as empresas tomem medidas para garantir o controle. Citaria alguns cuidados ao escolher uma empresa terceirizada:
Conheça MUITO BEM a empresa contratada. Quem são os donos? Quais polêmicas já esteve envolvida? Quais as filosofias e propósitos?
Quais os valores da contratante? Batem com os seus?
Como elas cuidam de sua gente? Converse, mesmo que informalmente, com alguns funcionários e descubram o que prega a empresa. Bate com o que prega a sua?
Faça um contrato que amarre bem as responsabilidades, mas não se esqueça que cuidar das pessoas é uma responsabilidade conjunta;
Suspeite de preços muito abaixo do mercado. Quando a esmola é demais….
Supervisione e fiscaliza os serviços prestado;
Faça um onboarding com os novos funcionários, para que eles entendam a sua filosofia e seu propósito. Eles precisam agir de acordo com o que sua empresa quer.
Tomar alguns desses cuidados faz parte de um gerenciamento de risco bem feito. É cuidar para não trazer crises para dentro de sua empresa.
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